“Os Quintos”
É certo que todas as terras têm as suas tradições populares, algumas com origens que se perdem nos confins do tempo, mas não obstante a inexorável passagem do mesmo, algumas ainda perduram e outras, porém, já nem memória temos delas, em função do maior ou menor enraizamento popular que alcançaram. Montalvão não foge a essa imparável regra da Vida.
Este “sítio” da Junta de Freguesia de Montalvão e este espaço, em particular, poderão ser um bom local de acolhimento para registo e conservação dessas nossas memórias coletivas, para que as boas tradições montalvanenses não se diluam com o passar dos anos e com o desaparecimento dos que ainda as possam conservar na sua memória.
Algumas das publicações que se apresentam no separador respetivo “Espaço do Visitante – Publicações” contêm interessantes registos sobre diversos tipos de tradições, que importa reter e conservar, sob o risco de os poucos exemplares que ainda poderão restar e a respetiva dispersão, impedirem o conhecimento pelo maior número alargado possível de pessoas interessadas. Este espaço de comunicação interativa pode colmatar ou minimizar esse sério risco.
Há uma antiga tradição de Montalvão, porém, que não encontramos descrita em nenhuma daquelas publicações ou noutra que se conheça, não obstante ser bem interessante, pela sua genuinidade, pelo espírito de cumplicidade e de solidariedade que lhe estava subjacente e que, de certo modo, ainda hoje persiste entre as pessoas da mesma idade, ou melhor, que nasceram no mesmo ano, independentemente do mês de nascimento e que adotaram a original designação de “quintos” .
Os "quintos" criaram alguns rituais que praticavam em determinadas épocas festivas e durante um dado espaço de tempo, perpassando através de sucessivas gerações. Atualmente, ainda é comum estes grupos celebrarem os anos de nascimento, eventualmente as décadas mais marcantes da sua vida, reunindo-se em almoço, mas agora (sinal dos tempos) fazendo-se acompanhar dos respetivos consortes.
Noutros tempos, porém, os jovens "quintos", antes da respetiva incorporação militar, como era comum, por volta dos vinte anos, com idades que compreendiam os grupos com 19, 18 e os 17 anos, e a partir destes, cumpriam a tradição herdada dos antepassados, de formarem os seus grupos etários específicos, circulando muitas vezes aos domingos pela aldeia, divertindo-se saudavelmente e cantando ao despique pelas ruas e nas tabernas, as músicas e as quadras típicas de Montalvão.
Este procedimento atingia maior proporção e entusiasmo nas épocas festivas, muito particularmente durante as festas em honra de Nossa Senhora dos Remédios e, mais particularmente, na romaria à Ermida respetiva, aonde se dirigiam em grupos separados por aquelas idades, em carros engalanados para o efeito e fazendo-se acompanhar por um acordeonista, que cada grupo contratava a expensas próprias, procurando surpreender os outros com as músicas que preparavam em segredo, numa rivalidade ingénua e saudável.
Chegados à Ermida era vê-los em torno da mesma a cantarem as suas canções, acompanhados pelo “seu” acordeonista e tocando as pandeiretas que mandavam fazer para a ocasião e que engalanavam com fitas multicores.
Outra época igualmente celebrada era a das “sortes”, ou seja, aquela em que tinham de ir à inspeção militar, por regra em Nisa, conjuntamente com outros jovens de todo o Concelho. No final da inspeção, os sentimentos eram os mais variados, tendo diferido em função do início da chamada guerra colonial. As “sortes” ditavam se o mancebo ficava apurado, a que correspondia uma pequena fita vermelha que ostentavam na lapela em sinal de terem sido “apurados para todo o serviço militar” , branca se ficavam reprovados (livres do cumprimento do serviço militar), e verde, se ficavam em espera, tendo de repetir a inspeção no ano seguinte.
Antes daquela guerra, era grande a rigidez do critério que determinava o apuramento e, subsequentemente, a incorporação e o exercício militares, o que, no entanto, era para muitos uma benesse, na medida em que satisfazia a condição “sine qua non” de ingresso numa das forças para-militares. Era uma compreensível e legítima aspiração, dado lhes permitir aspirar a melhores condições de vida, ao contrário do que a permanência na aldeia e a consequente precariedade do trabalho que nela havia lhes proporcionava.
A rigidez do critério de apuramento, porém, tornou-se muito mais flexível, por força da necessidade e da decorrente compulsividade de incorporação militar massiva de jovens, em virtude das três grandes frentes de combate que os três ramos das Forças Armadas tinham de fazer face. Surgiu assim uma nova classificação deivada de “apurado” e que era a de “apurado para os serviços auxiliares”. Os "empenhos" que outrora se moviam para conseguir o apuramento, orientavam-se agora para a dispensa do serviço militar (o que era raro, diga-se) ou, no mínimo, para o “apuramento para os serviços auxiliares”, o qual sempre admitia outras possibilidades, que não a frente de combate.
Após as “sortes” e, sobretudo, derivado da dispersão provocada pela incorporação em diferentes unidades militares, no continente e no ultramar português, e após cumprido o serviço militar, a migração e a emigração, por muitos tentada e conseguida, fizeram com que a coesão de “os quintos” tivesse perdido fulgor, mas não desaparecido totalmente, como já referido antes.
Luís Gonçalves Gomes
29 fevereiro 2016