Júlio Baptista Morujo
Um poeta é uma alma sensível e, consequentemente, um atento observador de tudo o que o rodeia ou toca essa sua alma. Foi o caso deste nosso poeta, ao dedicar um poema ao seu presumível amigo João “Toureiro” - contrabandista montalvanense -, que morreu afogado no rio Sever, no exercício (perigoso) dessa atividade: (1)
Mote
O pobre do João Toureiro
Já do mundo se despediu.
No dia 20 de Fevereiro
Desapareceu no meio do rio.
Glosas
Pela fome foi obrigado
Ir a ver do inimigo.
Nunca pensando no perigo,
Que ia morrer afogado…
Foi por uma corda enleado,
Seguro por um companheiro.
No centro do rio traiçoeiro
Nada lhe pôde valer.
Ali teve que morrer,
O pobre do João Toureiro.
E sua mãe gritava
Sobre aquelas fortes águas…
Com o peito cheio de mágoas,
Pelo filho que não avistava.
Tanta coisa que arremessava,
Daquelas que a água cobriu…
Só o João mais nunca se viu
Depois que marchou p’ra fundura,
Ninguém lhe sabe a sepultura.
Já do mundo se despediu.
A sorte daquele desgraçado,
Deus queira que ninguém alcance.
Já se lhe fazia um romance,
Sobre os passos que se lhe têm dado.
Ele deve estar descansado,
Enterrado nalgum nateiro,
Sem se lembrar de pão nem dinheiro,
Nem do passo que se lhe passou…
Foi ele próprio quem se afogou,
No dia 20 de Fevereiro.
Ficaram filhos e mulher,
Neste mundo ao desdém,
Agradecendo a quem lhe faz bem,
À espera do que Deus quiser…
Nunca mais poderá ser,
Aqueles infelizes terem brio…
Lembram-se no que o pai se viu,
Numa morte tão de repente,
Que diante de tanta gente,
Desapareceu no meio do rio.
Luís Gonçalves Gomes
04 fevereiro 2016
(1) MOURATO, António Cardoso, "Montalvão, Elementos para uma Monografia desta Freguesia do Concelho de Nisa"; Ed. Comissão Conservadora das Obras da Ermida de Nossa Senhora dos Remédios de Montalvão; pp. 101 e 102.