PEQUENAS PASSAJOLAS DA NOSSA GENTE
ARRANJASTE UM BOM PAR DE BOTAS - Na salutar convivência com os mais velhos, onde pontuava meu pai, não me escapavam ditos e estórias por eles vividas. Foi assim na estrada da Salavessa onde me tornei aguadeiro, em tempo de férias escolares, de dezenas de homens que a pá e pique desventravam montes e vales.
Num desses invernos lá fui eu com meus paisnum rancho de montalvanenses em cima de várias carroças, para Alter do Chão, para a apanha da azeitona, numa herdade colada à Coudelaria. Desta vez ia só como veraneante, até que o maioral me convidou a fazer pela vida. Então escolhia as oliveiras baixinhas e carregadas, e menos de um fósforo tinha uma bela maquia, que pesada e vendida, deu para comprar um belo par de botas, à lavrador. Saí de Alter com elas calçadas ao contrário do nosso conterrâneo que foi a Nisa com os pais à Feira dos Feijões, só que em vez de calçá-las pô-las às costas para não dar cabo dos pézinhos e por isso veio a penantes até à Vila. Só parou na Fonte da Matadeira para amolecer as calosidades!...
Ainda na Feira,aquele castiço, cujo pai era guarda-rios, assim identificado por uma fita no braço, viu, arrumando carros e carroças, um empregado camarário com fita idêntica. Deixou logo escapar: “hummtamém te queres amasturé”!…
EFIGÉNIA, COMPÕE-TE E VAI P’RÁ JANELA – Eram os tempos dos namorados passarem horasà janela trocando palavras e gestos proibidos. A Efigénia estava há muito encalhada, por isso a mãe tratava de a incentivar para se preparar e vir para a janela porque o novo candidato não demorava. Chegou o Simplício Benevides, todo cheiroso a lavanda, enquanto a matriarca, de perna aberta, recebia o calor da braseira, já com uma cabrada* que não havia pastor que as guardasse…
Os pombinhos lá iam tentando dar rumo ao namorico, mas os temas depressa se esgotavam, até que o atiradiço Simplício aproveitando o avultado mojo da balzaquiana, arrefinfa-lhe valente apalpão sem que ela se tenha feito esquisita. De pronto ele observa: - A modsque tens as mamas tã moles! Ela num repente: - Porque será que todos me dizem a mesma cousa?...Calados e murchos ficaram até que ela foi murmurando: - Está uma linda lua. Passaram alguns segundosele lá abriu o bico: - Sim, sim, p´rás botelhas do tê pai. Quer-me parecerque o encalhanço se manteve…
…E QUEBRA LA GUITA -O João Fartel, quando cachopo, era tratado por Zagalo, pelo ricaço da terra, dono de uma das charnecas. Um dia foram até ao Sever pescar, o senhor de macho, o gaiato a dar cabo das alpergatas. Pouco depois de começar a faena o patrão ferra um valente barbo, ao que o espanhol grita do lado de lá: “E quebra la guita”, o que deixou o patrão irritado sobremaneira, até que o troféu saiu cá para fora com a ajuda do Zagalo. E aí: “Quebra la aguita, quebra la guita… era preciso que eu fosse espanhol como tu”.
Na charneca havia um pomar de se lhe tirar o chapéu, mas três laranjas juntas marcavam a diferença entre as outras, grandes e belas que não só, motivo suficiente para que o Zagalo lhe tenha tirado as medidas. Quando o senhor, cá da casa, agora em ruínas, se lobriga o desfalque, corou de raiva e vai de chamar a capítulo, todo o pessoal menor, a governanta incluído. A máquina da verdade era uma mesa de pé de galo que à pergunta do patrão, escouceava contra o carcomido piso do salão. À pergunta de quem roubou as laranjas aos três primeiros possíveis prevaricadores a mesa disse nada, faltava a Ana Maria e o Fartel e à repetida pergunta a pesada mesa faz tremendo estrondo, culpando a pobre senhora que pela sua altura dificilmente lhe pegaria. O gaiato, prestes a mijar pernas abaixo, veio cá para fora jurar para não mais se meter em trapalhadas, não vá a mesa adivinhar na próxima.
GESTO DE MÃO CHEIA – Tenho um grande Amigo, felizmente ainda entre nós, que vibra quando, em conversa dhomes, se refere ao belo sexo. Derrete-se todo quando na TV surgem aqueles grupos de cantores chamados pimba, mas acompanhados de estonteantes “girls” cujos vistosospapos d’anjo dão para acordar qualquer ser mal dormido. Então ele em gesto de mão cheia e olhos esbugalhados diz: He pá, ali com a raposona!...Também se pode referir à tal, mas de grande porte…e deve dar cada berro! Nesta altura o que vai valendo ao meu amigo são estas visões…
HÊ MANAMARIZÉ – Num lugar bem perto de nós estavam duas comadres todas enxofradas atirando-se uma à outra: É precise dzê-lo!Diz uma.È precise dzê-lo e é precise dzê-lobém, levas uma chamecédap’las orelhas quê logue tu digue… replica a outra. Entretanto chega a irmã mais nova de uma delas e pergunta: Hê manamarizé ali o ti Justine ofereceu-me um saquinhe de tartulhes, quéscacête!...
O SENHÔR QUERE MULHÉ - Um viajante que vinha dos lados da Vila Velha, depois de todas aquelas curvas, chegou a Nisa cheio de larica. Entrou na primeira tasca onde esteva a Chá Mariana das Dores.” A senhora arranja alguma coisa para dar ao bigode”. -Tenho ali batatas de molhe quer?O vendedor de pano cru e tudo o mais que fosse preciso, encolheu os ombros e ficou na mesma, ele queria era dar ao serrote. A meio da comezana a D. Mariana fez sinal ao freguês e pergunta: “O senhôr quere mulhé”?O homem ficou com a colherada a meio caminho e balbuciou: `”Eu não minha senhora, quero é matar esta malvada!”. Para com ele próprio: “Agora mulher ainda me dá para aí alguma congestão; vai lá vai!...
“AS DE CORNE…Também tivemos ao longo dos anos grandes artesãos. Havia um que era especialista em colheres e dizia com certa vaidade: És colheres de pau, ensinou-me o Ti Domingues Paixão, mas as de corne tirei-as da…cabeça!
SÃO MESMO IGUAIS AOS DO MEU MARIDO… Numa tourada em Portalegre, em mais uma feira das cebolas, estavam duas amigas, já maduras, todas ufanas comentando os atributos do miura. Por detrás delas um grupo de amigos vindos de Vila Boim. (tenhoum amor na cidade/tenho outro em Vila Boim/tenho outro em São Romão/esse não me esquece a mim) Ao mais pequeno movimento do exemplar touro, uma das senhoras exclamava: É mesmo como os do meu marido.O mais vivaço dos vilaboinenses, olhando para o porte da senhora, outro exemplar, atirou: Vossemecê deve ser daquelas; com que então são iguais ao do seu marido quer deve custar a entrar em casa. A senhora não se fez rogada e: São iguais aos do meu marido mas é nos tomates, ó seu labrego!...Bom, assim o marido da senhora já pode entrar, mas coitado deve andar todo derreado!...
José Morujo Júlio
16 setembro 2020