AINDA A RAPOSA…AGORA A CONVIVER COM JAVALIS
A história da raposa – mas que mania de gostar tanto dabichana–percorre toda uma geração, passando de pais para filhos, onde surge a primeira herdeira, uma gaiata que tanto para comer como para dormir tinha porras, no primeiro caso só com o nariz tapado entrava algum alimento e no segundo só pregava olho andando de carro primeiro e contando longas histórias depois.
Quando me tocava a mim lá vinha a raposinha à baila, mas a história de tanto contada já tinha várias versões, como a gaiata – ceguena manhosa – continuava de olho arregalado, eu acabava por adormecer primeiro na altura do e depois…zás, cabeça à banda, e ela com os dedos abria-me os olhos como que à procura deganfanas…e depois…e depois…e depois…!
Onze anos depois veio um loiro rapagão que ao invés da irmã era um autêntico come-e-dorme. Ainda mal andava, lá vinha ele do berço: ó mamã o menino ainda não lanchou, isto pouco tempo depois de terenchido o bucho!Na história, era sempre apanhado na curva, fosse qual fosse a versão. Contava eu, apressando o final, e então o gaiato adormeceu na caminha de palhinha de milho… e saltava ele: ó pai o menino ainda não correu para a choça! O menino tinha ido a passo porque estava cansado por ter andado aos ninhos. Vê lá mas é se dormes que o pai vai ali já vem. Chi carafe que ganda seca!
Toda esta converseta obrigou-me a visitar a “Badalena”. Desci a barreira, com início no local onde outrora se erguera a capela de Nossa Senhora Maria Madalena e à medida que me aproximava da antiga vistosa horta, perdia o alento. Na companhia de minha mulher – onde é que havia aquela imensa figueira estiveira que temos uma foto apanhando apetitosos figos todos raiadinhos – parámos debaixo de um grande chaparro, com o tronco nêigreque nem um tecem, mas que todavia tinha albergado uma família de melros já libertados, era um sinal de vida num ambiente desolador. As vages, uvas e tomates, abrunhos, buchêigues e ameixas davam lugar a um imenso silvado, donde, pasmem, saiu uma vintena de javalis, ainda bácoros, já que os progenitores nem sequer abandonaram a malhada, com a certeza que ninguém os importunaria.
A cabana dos meus sonhos era agora um montão de pedras sem direito a albergue já que o telhado jamais suportará outra doninha. Isto é um pequeno exemplo de um Alentejo cada vez mais esquecido onde o trigo não medra e o mato avança, até as azinheiras e os sobreiros morrem à míngua. Salva-se o gado, porque subsidiado, nos alerta em noites de Verão anunciando que por ali ainda vai havendo vida.
Nestes dias tenho assistido ao “Tour de France” e é com satisfação suprema que posso apreciar uma imensidade de campos lavrados ou semeados, numa simbiose de cores para meu deleite. Ao invés aquele que foi o “Celeiro de Portugal”, é agora um bardo de vacas e ovelhas, um mundo de bosta e caganita. Rais parta!
José Morujo Júlio
04 setembro 2020