Quando “Nosso Senhor”corria pela charneca de…calções
Na senda sacrossanta veio-me à ideia os tempos em que, nas férias, treinava pelas estradas da nossa freguesia. Ainda existiam os postos da GNR e Guarda Fiscal no Bernardino. Descia o Arrabalde e ao passar pelo guarda de serviço era certo e sabido que o camarada na Póvoa recebia a notícia como que se tratasse de mais um contrabandista. Ao desfazer a curva, junto ao campo da bola, frente ao posto, já a assistência dava sinal da minha presença com alguns piropos à mistura: “este podia passar as malas que quisesse que não o agarrávamos”.
Mas foi para os lados da Salavessa que fui alvo da mais inusitada faceta com o seu quê de irreal quando dois seres me confundiram com “Nosso Senhor”, haja Deus! Vindas do eucaliptal, antes azinheiras e sobreiros, e frente ao chafariz agora remodelado, surgem duas velhotas com feixes de lenha à cabeça, ao mesmo tempo que do lado oposto da maltratadaestrada, apareci eu, de cabelo grande e robusta barba, qual “Che” sem boina, mas de calções.
Olharam aturdidas e deu para ouvir: “ãiêMarijaquina, é o “Nosso Senhor”, Jesus nos valha”. Sem saber o que fazer perante tamanha honra, comovente até, apenas acenei ao de leve sem soletrar palavra, não pelo cansaço mas, outrossim, pela luminosidade do que ali se estava a passar!
Passada a fonte, lá fui eu direito ao cemitério, salvo seja, pensando chegar ao Monte, mas logo pensei: “bem se entro no lugarejo, só com uma rua, como é que de lá saio?”, a menos que o Samuel abrisse a tasca e elucidasse o povo dizendo quem era o “intruso”.
Dei a volta antes de virar para o Pé da Serra, e continuei a minha santa correria em direcção a Montalvão. Claro que tive de me cruzar novamente com as generosas senhoras, que voltaram a pousar o carrego e de mãos postas “obrigaram-me” a entrar no seu devoto pensamento; voltei a acenar e disse qualquer coisa como “Abençoadas sejam”, se calhar até doirei a pílula, mas não era minha intenção.
Com a imagem daquelas duas almas no pensamento, depressa cheguei à Rua com o mesmo nome, onde conhecida que é a capelina da minha rua, sempre iluminada, das Almas. Olhei para o Cristo crucificado e orei à minha maneira com pena daqueles dois seres que acabariam por se aperceber que o “milagre” que as havia vislumbrado, depressa se desvaneceu.
Pobres mentes que viram sua crença abalada por culpa de um deus menor!
José Morujo Júlio
25 agosto 2020