ESTÓRIAS BIZARRAS DE MONTALVANENSES
Um Ícaro à moda de Montalvão e outros “passarões”
Nas férias da escola lá ia eu integrado no rancho, de abalada para a ceifa, ali para São Salvador, Portagem, por exemplo; era só para homens que à noite driblavam o cansaço contavam passagens, que, de tão bem ensaiadas, ganhavam cunho de autênticas, pois bons narradores era o que não faltava.
Ombro-a-ombro com o Mestre João Fartel, escutava embevecido o palavreado urbano do contador, escapando-me uma ou outra risada, para sinalizar perante os graúdos que o gaiato não deixava escapar uma.
Começava assim: “e aquela do Ti Augusto, que sempre sonhou em voar, talvez por ter lido o Memorial do Convento, mas esse tinha uma passarola, o tal Baltazar-Sete-Sóis. E, vai daí, o nosso conterrâneo, depois de andar meses a juntar penas, delas se cobriu, sem deixar poro à vista e perante diminuta assistência, para não causar alarido, aquela “ave de pena”, a custo, lá subiu para uma azinheira, ali para os lados do Santo André.
Como na cena do Titanic, abriu os braços e ala que ele aí vai.Se grande foi o impulso, maior foi o trambolhão. De borco, como se tivesse “borregado”, vê-se a contas com estevas e gadapeiros, que tentaram amortecer a queda. Estrebuchando, com a boca cheia de bilros de xara e penas de pato-mudo, lá foi dizendo: “o avoá não custa, o aposé é que tem porras!”
Lá do canto, outro ceifeiro sai-se com esta: “o Ti Afonso, o“putas pequeninas”, - quando gaiato, vendo os mais crescidos dizer que iam…às meninas, perguntou à mãe se também havia meninas pequeninas – era caçador, fraco caçador, e ficava fulo, ao ver passar à tarde, pela Rua de Ferro e da Barca acima, caçadores de olho de lince, como o meu tio António (Tonhão), carregado de caça, ornamentado com dois cinturões de perdizes, e demais lebres e coelhos às costas.
Um dia vai à capoeira e saca um coelho de cor parecida com o do bravo. Mete-o no saco e ala, até à Alagoa. Ali, prende o caçapo por uma pata a uma oliveira, acto contínuo, conta uma vintena de passos, para ter a certeza de que a presa ia direita ao tacho, carrega o trabuco e puxa o gatilho com firmeza, ouvindo-se o tiro para lá da Sarangonha. Só que o peludo bichano, à carga, seguiu a mesma direção com o cordel fazendo de duplo rabo.
Alguém que passava azinhaga e conhecia a “peça”, gritou-lhe: “árrepoças, nem mesmo assim leva caça para casa”.
José Morujo Júlio
07 agosto 2020
PS: nomes fictícios, para não ferir alguns, cujo espírito de humor, lhes é vedado.
(a escrita é em Português de facto, à antiga, senão teria de chamar terno a um casaco e na minha terra, terno é um…trambolhão.)