ESTÓRIAS DA NOSSA TERRA
…”Uma vaca atrevida”
Há tantas estórias da nossa terra, tantos ditos e dichotes, pessoas marcadas pela vida e pela honra, figuras que dizem coisas rudes e ousadas capazes de nos levar às lágrimas, de raiva e ou de alegria.
Botam alcunhas, de baptismo sem pia, gravadas em testemunho sem cura.
Padrinhos reconhecidos pelo povo sem ser preciso deitar nenhum pregão; este é do Ti Bufa, aquele é do Ti João Fartel.
O primeiro dizia que “o Zé Fedelgue dorme a sesta em cima dum gamão!”, dada a sua pequenez. E lá iam chamando a uns e a outros:“Atefega sardinhas”; “putas pequeninas”; “tomba lombos”; “faz corpo”; “caga dinheiro”, e por aí fora.
Em tom mais sério, o João Fartelvangloriava-se de ser o único homem a quem uma vaca fez tamanha “meiguice”, impossível de imaginar.
O meu velhote, para mim o Mestre João, foi cabo de forcados, no antigo Grupo de Montalvão, onde o seu grande amigo Ti Bufa, também sobressaía. Não vacilavam, fosse vaca ou touro, mesmo que este fosse o tal a quem o mais velho dizia: “Se eu tivesse um par de tomates dessesnão havia vaca nenhuma que me pusesse os cornos!…”
Isto passava-se nos anos cinquenta,e numa pega das tesas, o Fartel avança com valentia e, acto contínuo, sentindo-se presa pela cornadura, a atiradiça rês, abocanhou tudo o que o baixo ventre escondia. Terminada a faena, banhado em sangue, é levado em braços para a enfermaria, tendo-se ali mesmo apurado que o tresloucado animal tinha algumas falhas de dentes, se não lá se ia o “abono de família”. Os apêndices ficaram presos por um fio, vindo à memória os eunucos, que os grandes senhores de países subdesenvolvidos obrigavam os criados mais chegados.
Foram dias tormentosos lá na casa da Rua da Barca, com médicos e enfermeiros num corrupio constante para salvar a honra do convento, o que felizmente aconteceu, com a Medicina a fazer mais um milagre.
Sempre ufano dos seus actos lá ia dizendo: “sou o único homem a quem uma vaca fez um valente…trabalho dourado!”...
José Morujo Júlio
05 agosto 2020